Por que a educação diferenciada?

Há uma generalizada convicção pedagógica de que a escola mista tem uma vantagem decisiva em relação a qualquer outro tipo de organização escolar, em razão de refletir a convivência que existe na sociedade.

No entanto, observam-se com relativa freqüência nas escolas diferenciadas os seguintes fenômenos: os alunos têm melhor rendimento acadêmico e adotam atitudes menos estereotipadas em relação ao gênero (por exemplo, as meninas se sentem mais confortáveis para escolher profissões “masculinas”).

As respostas a esses fenômenos ainda não foram plenamente respondidas, mas existem explicações com razoável consistência:

   a) as meninas e os meninos aprendem de forma diferente, por possuírem interesses distintos e modos diversos de captar o conteúdo que se transmite na escola (p. ex. literatura, arte e geometria). Ao mesmo tempo, têm-se encontrado diferenças cerebrais e de desenvolvimento que ajudam a explicar essa diversidade.

   b) as meninas e os meninos interagem de modo diverso com a realidade. Algumas diferenças comprovadas: avaliação do risco, agressividade, resposta à pressão, relacionamento com a autoridade (disciplina), expectativa em relação ao professor, auto-estima, amizade, sexualidade, drogas.

Dessa forma, ações educativas específicas para cada sexo podem ser mais eficazes. Pedagogicamente, a lógica da educação diferenciada é análoga à lógica da educação por grupos homogêneos de idade. A educação diferenciada reconhece que a idade e o gênero são os dois grandes princípios de organização no desenvolvimento da criança e do adolescente.

No entanto, essas aparentes vantagens da educação diferenciada seriam fortes o suficiente para levar a preterir a socialização, que aporta a co-educação, em prol do “acadêmico”? No cômputo global, a mista não sairia ganhando?

Vejamos alguns resultados da educação mista em relação à esperada socialização:

    a) não diminuição, e até mesmo aumento, dos estereótipos;

    b) vulnerabilidade e não adaptação para a vida adulta. Exemplos: auto-estima superficial e frágil autonomia.

Por que ocorre muitas vezes essa ineficácia da escola mista em relação aos objetivos pretendidos? Por que não se efetiva a socialização, apesar de uma ação educativa intencional nesse sentido? Porque a realidade escolar não é construída apenas pela estrutura formal (curriculum, ideário, programas, etc.). Existe uma estrutura informal, feita em grande parte pelos alunos, com as suas culturas e dinâmicas, que informa o ambiente educativo. Essas duas estruturas atuam conjuntamente e são, em sentido sociológico, normativas (geram regras comportamentais).

Na escola mista, tem-se observado com relativa freqüência que essa estrutura informal – essa cultura juvenil – impede que a ação educativa institucional, apesar dos inegáveis esforços, alcance os seus objetivos, tanto acadêmicos quanto de convivência.

Por que ocorre esse fenômeno? Por que a complementaridade menino/menina – que, em tese, seria excelente, já que reflete melhor a sociedade – acaba trazendo muitas vezes efeitos negativos? Aqui também não há respostas definitivas. Com evidências de razoável consistência, pode-se fazer a seguinte análise:

“Os integrantes de um sexo, em presença do outro, se posicionam com mais força nas normas e estereótipos do considerado “socialmente” correto para o seu sexo. Dito de outro modo, as normas sociais sobre o apropriado para cada sexo ganham uma maior relevância quando ambos os sexos estão presentes. Desse modo, o aluno num entorno misto se vê mais condicionado, já que a presença do outro sexo aumenta as expectativas de seu entorno ao que deve ser um menino e uma menina.” Jaume Camps. La separación como estrategia. in II Congreso Latinoamericano de Educación Diferenciada. Buenos Aires: ALCED Argentina, 2009.

Tendo em vista essa situação, pode-se perceber o sentido da proposta da educação diferenciada: proporcionar aos alunos e às alunas um ambiente de liberdade. Efeito similar ocorre, por exemplo, ao diversificar os espaços de recreio por grupos de idade.

A escola diferenciada, ao proporcionar espaços distintos para meninos e meninas, torna menos relevante – no ambiente educativo – a categoria social “meninos” e “meninas”. Dessa forma, excluem-se os efeitos da principal polarização grupal e desloca-se a auto-categorização do “grupo” (nós) para o “pessoal” (eu). Nesse contexto, há maior facilidade para a criação de um ambiente que favoreça a convivência e ao mesmo tempo seja pró-acadêmico.

 

Nicolau da Rocha Cavalcanti

niccolau@gmail.com

São Paulo - Brasil