Um pouco mais sobre a socialização

[baseado em La separación como estrategia, de Jaume Camps]

 

            É conhecido o fenômeno da auto-segregação dos sexos na escola a partir dos três anos[1], que cresce progressivamente com a idade[2]. Tal fenômeno foi descrito como universal e desvinculado – pelo menos em sua origem – da influência dos adultos[3]. É uma tendência persistente ainda que se façam atividades educativas dirigidas a incrementar as relações entre os sexos[4]: reaparece com força quando se deixa de pôr os meios específicos.

            Na infância, formam-se na escola grupos de iguais, caracterizados pelo fato de serem do mesmo sexo, cada um com atitudes e estilos de jogos diversos[5]. Na adolescência, apesar da força da atração pelo outro sexo, não desaparece a segregação em grande parte da atividade social[6].

            Por que ocorre esse fenômeno, mesmo em ambientes mistos? Porque o sexo é um dos principais fatores de auto-categorização, senão o principal[7]. Dessa forma, os alunos e as alunas vêem primariamente apenas os do seu sexo e da sua idade como iguais.

            Esse fato é significativo, pois a auto-categorização é o primeiro passo para a socialização. Dessa forma, a socialização no ambiente escolar dependerá principalmente do grupo do mesmo sexo e idade, isto é, do seu grupo de “iguais”.

            Qual é a sua importância no contexto de uma escola mista? Ante a presença de dois grupos, ocorre um fenômeno que a sociologia denomina de “polarização grupal”[8]. Quando se está em presença do “outro sexo”, potencializa-se o sentido de pertença ao grupo de meninos ou ao das meninas. As normas sociais do seu grupo – e não as regras estabelecidas pela estrutura formal da escola – tornam-se mais relevantes, isto é, o entorno condiciona com maior intensidade.

            Por esse motivo, observa-se na educação mista um fortalecimento da cultura juvenil. Por exemplo, dá-se maior importância à aparência física e às roupas. E por que ela afeta a eficácia escolar nos seus objetivos de igualdade e socialização? Porque essa cultura distingue – em função de estereótipos e preconceitos – as atitudes apropriadas para cada sexo, e tem um forte caráter dissuasivo em relação ao acadêmico.

            Mas não se poderia objetar dizendo que a escola não é um espaço sem lei, e que existe a ação educativa escolar institucional justamente para impedir esses efeitos indesejados? Pode-se fazer essa objeção, mas não é o que se constata na realidade escolar atual. Observam-se fortes dinâmicas de grupo que se estabelecem entre meninos e meninas e que implicam rivalidades, comparações e polarização de atitudes[9].

            Pelo que antes víamos a respeito da polarização grupal, percebe-se que o principal argumento a favor da co-educação fragiliza-se. Não basta estarem juntos para aprenderem a conviver. Essa convivência exigiria – para não ser contraproducente – uma forte atuação institucional em sentido contrário. Alguns colégios fizeram essa tentativa, mas sem resultados positivos em relação à equidade de gênero[10]. É importante ter em conta que a escola mista, por reunir artificialmente um grupo considerável de pessoas na mesma faixa etária, é um catalisador da cultura juvenil.

            E o que ocorre em ambientes diferenciados? Não há essa polarização grupal? A escola diferenciada, ao proporcionar espaços distintos para meninos e meninas, torna menos relevante – no ambiente educativo – a categoria “meninos” e “meninas”. Dessa forma, excluem-se os efeitos da principal polarização grupal, e a cultura juvenil perde força no entorno educativo:

- há uma separação de cenários. O aluno tem claro o que busca na escola: vai primariamente para estudar, e não para outras finalidades. Desse modo, possibilita-se com maior facilidade a formação de um ambiente pró-acadêmico;

- as atitudes que fogem à regra do estereótipo afetam menos a identidade da aluna ou do alunos (não há uma constante avaliação dos seus pares se a sua atitude é “feminina” ou “masculina”, por não existir essa polarização);

- há maior liberdade. O grupo é menos repressor, já que não se tem a presença do “outro sexo” (que faria o seu grupo “exigir” determinadas atitudes para ser aceito):

A masculinidade e a feminilidade da escola diferenciada são muito mais amplas, acolhem muito mais matizes; são uma masculinidade e feminilidade muito mais ricas.” Enric Vidal

            Nas escolas diferenciadas, ao diminuir a pressão grupal, desloca-se a auto-categorização do “grupo” (nós) para o “pessoal” (eu), permitindo uma educação realmente personalizada, que é o objetivo fundamental.

 

Duas observações

            Não é exatamente uma novidade que a socialização para ambos os sexos seja, nalguns momentos, em ambientes diferenciados. A transmissão entre gerações de cultura e de tradições ocorreu, com certa regularidade, em atividades para um só sexo[11]. A interação de adultos – homens ou mulheres – com as crianças e adolescentes facilita-se num contexto diferenciado.

            Muitas vezes, a complementaridade menino-menina na educação acarreta, intencionalmente ou por limitações práticas, uma desconsideração das diferenças entre os gêneros, com uma tendência a considerar patológicas determinadas atitudes, simplesmente em razão do outro sexo não adotá-las.

Nicolau da Rocha Cavalcanti



[1]               Cf. Lippa, R.A. Gender, Nature and Nurture. Mahwah, NJ: Erlbaum Associates, 2002. Também Maccoby, E.E. The Two Sexes. Growing up Apart, Coming Together. Cambridge: Harvard University Press, 2003.

[2]              Cf. Corsaro, W.A. y Eder, D. Children’s Peer Cultures. Annual Review of Sociology, 1990, 16, 197-220. González López, P. (Ed.). Psicología de los grupos: teoría y aplicación. Madrid: Síntesis, 1997. Thorne, B. Gerder Play: Girls and Boys in School. New Brunswick: Rutgers University Press, 1993.

[3]              Cf. Geary, D.C. et al. Evolution and development of boys’ social behavior. Developmental Review, 2003, 23, 444–470.

[4]              Cf. Maccoby, E.E. Gender and Relationships. A Developmental Account. American Psychologist, 1990, 45(4), 513-520. Também do mesmo autor The Two Sexes. Growing up Apart, Coming Together. Cambridge: Harvard University Press, 2003.

[5]              Cf. Geary, 2003.

[6]              Cf. Maccoby, 2003.

[7]              Cf. Fagot, B.I. y Leinbach, M.D. Gender-Role Development in Young Children: From Discrimination to Labeling. Developmental Review, 1993, 13 (2), 205-224. Harris, J.R. The Nurture Assumption. New York: The Free Press, 1998. Maccoby, E.E. The Two Sexes. Growing up Apart, Coming Together. Cambridge: Harvard University Press, 2003. Páez, D. (coord.). Psicología social, cultura y educación. Madrid: Pearson Educación, 2004. Baron, R.A. y Byrne, D. Psicología social. Madrid: Prentice Hall, 1998.

                Ainda que sem grande significado sociológico, sugere-se que cada um faça um teste consigo mesmo. “Quais as principais categorias que utilizo para me definir? Como penso na minha identidade? Quem sou eu?” Muito provavelmente, perceberá que uma das principais notas auto-definidoras é ser homem ou ser mulher.

[8]              Cf. Turner, J.C. Rediscovering the Social Group. A Self-Categorization Theory. Oxford: Basil Blackwell, 1987.

[9]              É o que reconhecia uma pessoa ao dizer: “o impacto das variáveis cognitivas pode ter sido sobreestimado”.

[10]             Cf. Valerie E. Lee, Xianglai Chan e Becky A. Smerdon. The influence of School on Gender Differences in Achievement and Engagement of young Adolescents. Trabalho encomendado pela Associação Americana de Mulheres Universitárias, 1995.

[11]             Cf. Joan Jacobs Brumberg. The Body Project: An Intimate-History of American Girls. New York: Random House, 1997. Marvin Harris y Orna Johnson. Cultural Anthropology. Boston: Allyn & Bacon, 1995. David Gilmore. Manhood the Making: Cultural Concepts of Masculinity. New Haven: Yale Universty Press, 1990.